ANÁLISE JURÍDICA DA ABORDAGEM POLICIAL AO CAC, SOB O PRISMA DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

Dr. Claudio de Oliveira e Silva

Dr. Claudio de Oliveira e Silva

Inicialmente, para analisarmos os aspectos jurídicos de legalidade acerca da abordagem policial ao CAC (Caçador, Atirador e Colecionador), é preciso, primeiro, explanarmos acerca dos limites da abordagem policial de um modo geral.

 

dois policiais realizando abordagem policial em um indivíduo

 

1. DOS LIMITES DA ABORDEGM POLICIAL

 

Neste contexto, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se sobre o tema em decisão tomada no Recurso de HABEAS CORPUS Nº 158580.

 

A Sexta Turma do STJ decidiu, por unanimidade, pela ilegalidade da revista pessoal e busca veicular, desprovida de mandado judicial, motivada apenas pela impressão subjetiva da polícia e agentes de segurança sobre a aparência ou atitude suspeita do indivíduo, em estrita inobservância do artigo 244 do CPP.

A decisão trancou a ação penal que tramitava em face do Réu, pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes, em aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, considerando que as provas da prática delitiva foram obtidas de forma ilegal, posto que a abordagem policial, quando da realização de busca pessoal, não observou necessidade legal de existência de fundada suspeita (justa causa) – baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstâncias do caso concreto – de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito, evidenciando-se a urgência de se executar a diligência.

 

Desta forma, é possível perceber que, já de início, a abordagem policial com a realização de revista pessoal e busca veicular não pode ocorrer ao bel prazer dos policiais e agente de segurança, é preciso estrita observância e obediência ao contido no artigo 244 do CPP. Ou seja, é preciso que se justifique através de fundada suspeita, aferível pela Autoridade Judicial, de modo que, à exemplo, abordar o CAC por conhecê-lo previamente de outras abordagens, e saber de sua prática esportiva, acreditando, por isso, que ele pode estar armado, por si só já configura a ilegalidade do ato.

 

É cediço que a posição adotada pelo STJ no julgamento alhures, não vincula outros Tribunais, contudo, é um importante precedente jurisprudencial de uma Corte Superior.

 

Superado este ponto, passemos a abordagem  ao CAC.

 

2. DA ABORDAGEM AO CAC

 

Considerando estarem presentes fundadas suspeitas (Justa Causa), aferíveis pela Autoridade Judicial, que imponham a necessidade da revista pessoal e ou busca veicular, e uma vez identificando-se o CAC e informando estar transportando seu armamento e portando uma arma curta à pronto uso, estando em trajeto de sua residência ao clube de tiro, o policial deverá adotar as medidas de segurança e, após, verificar a documentação do CAC e de suas armas.

 

Após a conferência da documentação e de todo o armamento, estando tudo regular, o agente policial deverá liberar o CAC. Havendo alguma irregularidade ou ilegalidade, deverá conduzí-lo à Autoridade Policial para adoção das medidas cabíveis.

 

2.1. DOS DOCUMENTOS OBRIGATÓRIOS AO CAC

 

De acordo com o Decreto nº 9.846/2019, em seu artigo 5º, parágrafo 2º, é garantido ao CAC o transporte desmuniciados de suas armas em todo o território brasileiro, por meio da apresentação do CR (Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador) ou CRAF (Certificado de Registro de Arma de Fogo) válido, desde que a munição transportada seja acondicionada em recipiente próprio, separado das armas.

 

Ou seja, para o transporte desmuniciado das armas de fogo, com acondicionamento de munições em recipiente próprio, separado, a documentação exigível pelo policial será o CR ou o CRAF, bastando a apresentação de qualquer um deles.

 

Já os parágrafos e , deste mesmo dispositivo legal, conferem ao CAC o direito de portar uma arma de fogo de porte municiada, alimentada e carregada, de seu aservo cadastrada no Sigma, no trajeto entre o local de guarda autorizado e os de treinamento, instrução, competição, manutenção, exposição, caça ou abate, por meio da apresentação do Certificado de Registro de Arma de Fogo e da Guia de Tráfego válida, expedida pelo Comando do Exército.

 

Desta forma, para a arma de porte e pronto uso para defesa do acervo, é exigível pelo agente de segurança pública, o CRAF e a GT (Guia de Tráfego), ambos válidos e expedidos pelo Exército Brasileiro.

 

Assim, na abordagem policial, uma vez apresentadas, no caso de armamentos desmuniciados, o CR ou o CRAF das mesma, e, em caso de arma curta de porte a pronto uso, apresentados o CRAF e a GT, estará o CAC no exercício regular do seu direito, nos moldes do artigo 23, III, do Código Penal.

 

Caso o CAC apresente toda a documentação mencionada e ainda assim o policial opte por conduzi-lo perante à Autoridade Policial, estará ele agindo em flagrante contrariedade à Lei, incorrendo inclusive, no crime de abuso de autoridade.

 

3. DO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE

 

A Lei 13.869/2019 dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade, determinando as condutas que se revestem como criminosas e os possíveis sujeitos ativos e passívos do tipo penal.

 

O artigo 9º do diploma em comento estabelece como conduta típica, a decretação de medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais, senão vejamos:

 

Art. 9º  Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

É imprescindível observar  que o legislador não se referiu a “prisão” mas sim a “privação de liberdade”. Isto é de extrema importância porque demonstra que o legislador refere-se a qualquer ato que prive a liberdade do indivídio, podendo ser retenção, detenção, reclusão, condução e qualquer outra forma ou nomeclatura de ato que importe em privação de liberdade, ainda que momentânea!

 

Neste mesmo sentido, há enunciado normativo do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal que esclarece o seguinte:

Enunciado n. 5 “O sujeito ativo do art. 9º, caput, da Lei de Abuso de Autoridade, diferentemente do parágrafo único, não alcança somente autoridade judiciária. O verbo núcleo ‘decretar’ tem o sentido de determinar, decidir e ordenar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”

 

Podemos então conluir que, como não há legislação que preveja ou impute qualquer tipo de privação de liberdade ao CAC que porte toda a documentação exigida por Lei para o transporte de suas armas de fogo e o porte de uma arma curta do seu asservo, o policial que, imbuído de qualquer desculpa, que de qualquer modo viole o direito de ir e vir do cidadão e o prive de sua liberdade, ainda que momentaneamente, estará incurso no crime previsto no caput do artigo 9º da Lei 13.869/2019.

 

4. CONCLUSÃO

 

Desta forma, caso o CAC, em abordagem policial, apresente toda a documentação exigida por Lei e o policial, à título de qualquer argumento falacioso de se estar fora de horário ou de rota, de não estar filiado à clube de tiro e ou mesmo de ser necessária a condução para averiguação dos documentos (salvo o caso de suspeita de falsificação de documento), poderá denunciá-lo à Autoridade Policial e para o Órgão de Corregedoria a que o agente for vinculado, pela prática do crime de abuso de autoridade.

 

É imperioso destacar que o cidadão tem o direito e o dever de fiscalizar o cumprimento da Lei por parte do Estado e  de seus agentes, de modo que é extremamente importante e aconselhável que, diante de casos de abuso de autoridade como o aqui ventilado, deve o cidadão denunciar o ato à Autoridade.

 

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